quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Intelectual cutuca mais que o chato



Nem todo intelectual é chato. Assim como nem todo chato cutuca. Nem todo intelectual é tão materialista a ponto de dizer que não ama ou que não gosta de poesia. Nem todo intelectual é intelectual.
O filósofo Leandro Konder, morto neste mês aos 78 anos, era um intelectual marxista que gostava de escrever sobre amor e poesia.
Comprovava a cada escrito o dito inquestionável de Marx: não é a consciência que faz a vida, mas a vida que faz a consciência.
“Por que atualmente quase não se lê poesia?” É preciso ter coragem e sensibilidade para ser marxista e abrir um livro assim. Konder o fez em “As artes da palavra”. Ele próprio respondeu: “A poesia é um gênero árduo, que exige muito do poeta, mas também exige muito do leitor: exige que o leitor se esforce para `receber` o poeta (o Outro) de maneira a poder assimilar o que ele lhe traz, traduzindo-o ou recriando-o na sua linguagem pessoal. Quer dizer: a poesia exige do leitor que ele libere ou crie e desenvolva a parte de poeta que precisa existir nele”.
A definição do filósofo para poesia se encaixa harmoniosamente na na prática da política como ideal. Um esforço de aceitação do outro para que uma relação se traduza ou se recrie.
Por poesia do destino, Konder morreu um dia antes do poeta Manoel de Barros (1916-2014). Este sim era um radical: “Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas)”, escreveu em “Tratado geral das grandezas do ínfimo”.
Política é diálogo. Como a poesia o é. Dizia Konder: “Só quem mergulha no mundo da poesia, só quem lê os poetas, pode extrair dessa aventura a efetiva compreensão da riqueza desse diálogo. O diálogo entre os poetas depende da colaboração e da complementação dos leitores: depende da sensibilidade do leitor para promovê-lo, para encená-lo”.
A aliança da direita no Brasil com setores hegemônicos da esquerda _com os banqueiros agradecendo ao faturamento recorde que tiveram num governo supostamente do partido dos trabalhadores_ tornava o panorama político confuso, na avaliação de Konder. Achava a esquerda intimidada diante do poderio da direita.
A crise da esquerda podia ser estendida aos intelectuais e suas ferramentas de luta. “Se você encontrar hoje um intelectual que diz ter em mãos um livro que irá mudar todo o rumo da nossa vida, vai ficar desconfiado. Esse otimismo não é sinal de muita lucidez”, declarou numa entrevista.
Não era um pensador utópico, como bom marxista. “A utopia não consegue lidar com a questão crucial da ação transformadora. O utopista sonha, mas age pouco”, afirmava.
Mais que o chato, o verdadeiro intelectual cutuca. Leandro Konder era um deles. Nunca foi chato. Era refinadamente  engraçado, como no samba-enredo marxista que compôs com Carlos Nelson Coutinho em dezembro de 1968. No mês do AI-5, dois dos maiores intelectuais marxistas nacionalizavam o poema do pneumotórax de Manuel Bandeira.
Apesar da perfuração no pulmão esquerdo, provocada pela ditadura, “ainda restava tocar um samba de enredo”. Era a única saída para aquele Brasil que a vida inteira podia ter sido o que não foi e caía semimorto, com febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos, tal como o personagem do poeta.

Samba do Idealismo Alemão - (Leandro Konder/Carlos Nelson Coutinho)
Quando veio a burguesia,
O Velho Kant se pôs a filosofar
E chegou um belo dia a elaborar
O seu idealismo racional
Onde a gnoseologia não juntava com a moral
Mesmo sendo uma tremenda antinomia
Fez-se um progresso na Filosofia

O proletariado não quer
Perder de vista essa lição:
Da Experiência do idealismo
Clássico alemão

Hegel foi quem resolveu esse problema
Uniu lógica e a história
Numa grande ontologia
Que foi a sua glória

Ao seu idealismo genial,
Dinâmico e totalizante
Mais profundo que o de Kant,
Só faltava a dimensão materialista
Que lhe daria a práquesis marquesista

O proletariado não quer
Perder de vista essa lição:

Da Experiência do idealismo
Clássico alemão

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Milton Aldana

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